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Entrevista para site Fundação Iberê Camargo

27.10.2005
Camila Gonzatto

Vera Chaves Barcellos iniciou a sua trajetória artística nos anos 1960, trabalhando com gravura. Na década seguinte, começa a trabalhar com fotografia e outras diversas técnicas gráficas. Nessa época, também participa do Nervo Óptico e do Espaço N.O, estando entre os fundadores. Mais recentemente, Vera passa a trabalhar com instalações.

A artista já participou da Bienal de Veneza, em 1976, e quatro edições da Bienal de São Paulo. Entre as exposições recentes que participou estão: O Corpo na Arte Contemporânea Brasileira, Itaú Cultural, 2005; Impressões, Santander Cultural, 2004; e Caminhos do Contemporâneo, Paço Imperial, 2002.

Desde 1986, vive entre Viamão/RS e Barcelona/Espanha. Em Viamão, a artista está trabalhando na Fundação que leva seu nome. O objetivo é que ela seja uma entidade cultural para a divulgação, difusão e pesquisa de arte contemporânea. Em Porto Alegre, a artista lançou o Espaço 0, para fazer as primeiras exposições da Fundação.

Vera participou do Programa Artista Convidado do Ateliê de Iberê Camargo, quando nos concedeu esta entrevista.

Como foi a experiência do Nervo Óptico e Espaço N.O. e como isso se refletiu na sua carreira?
O Nervo Óptico foi um cartazete que deu nome a um grupo que o publicou, do qual fiz parte juntamente a outros artistas como Carlos Pasquetti, Carlos Asp, Clóvis Dariano, Telmo Lanes e Mara Alvares. Eu, nesta época tinha recém participado da Bienal de Veneza, isto é, para mim a importância era conviver com um grupo mais jovem e cheio de entusiasmo e vitalidade. Predominava o uso da fotografia e havia muitos trabalhos coletivos. Foi uma época muito produtiva e animada para as artes na cidade, com repercussão em outros centros do país.

Como a fotografia entrou na sua carreira? E como foi se dando a transição para os trabalhos com interferências nas fotografias?
Eu já fotografava, mas só a partir de 1972 comecei a utilizar a fotografia em meus trabalhos. Passei da gravura abstrata para a fotografia. Outros meios de reprodução como a xerografia, a serigrafia e offset foram nessa época introduzidos em minha prática de trabalho, sempre com referencial fotográfico. Nos primeiros trabalhos fotográficos, utilizei textos acompanhando as fotos o que lhes direcionava um tipo de leitura, como na série t que chamei de Testartes.

Como você trabalha com as questões de apropriação de imagem e sua reprodutibilidade?
A apropriação de imagens foi muito utilizada desde os anos 60 pelos pops e outros artistas como os do movimento Fluxus, mas é claro que isso foi uma retomada do que já fora feito nas primeiras décadas por Marcel Duchamp e os surrealistas. Assim é com naturalidade que o artista se apropria de imagens da mídia, que naturalmente modificadas e re-contextualizadas adquirem um outro significado, para tranqüilidade dos defensores dos direitos autorais. (Diga-se de passagem, que se os direitos autorais tivessem sido respeitados a risca através da história não sei como se daria a evolução cultural dos povos).

Fragmentos narrativos aparecem nas seqüências do seu trabalho. Como é a sua relação com o texto, mesmo que não explícito?
Já expliquei um pouco isto na resposta 2. Na verdade, o trabalho onde o texto mais funcionou como complemento da imagem foi nessa série dos Testartes. Mas sempre considerei também os títulos importantes para a leitura de meus trabalhos. Eles sempre conduzem o espectador de certa forma. Já que normalmente trabalho com séries, a sugestão narrativa também está muitas vezes na seqüência de imagens.

Com a criação do Espaço 0 (zero), Porto Alegre volta a ter mais um espaço de exibição de arte. Qual é o projeto do espaço?
O Espaço O foi criado como extensão da Fundação VCB, para veicular as primeiras exposições que pretendemos realizar, antes do funcionamento da sede em Viamão, denominado Espaço1. Ele funciona no mesmo espaço onde atuou a Obra Aberta (1999-2002), mas foi totalmente remodelado para as novas atividades. O Espaço 0, está situado no centro de Porto Alegre e se destina à realização de exposições de maior duração que divulguem o acervo da Fundação, e com ações didáticas paralelas. Para realizar isto estamos tentando captar recursos através das leis de incentivo à cultura.

Quais são os elementos que estão lhe movendo atualmente na criação do seu trabalho? Quais são os seus próximos projetos?
A fotografia permanece como cadernos de notas e reserva de idéias para futuros trabalhos. Pretendo terminar alguns projetos em andamento que tive que deixar de lado para terminar o trabalho da Bienal do Mercosul e me ocupar de assuntos do lançamento da Fundação.

Entre vestígios o enigma da rainha

Mônica Zielinsky
Fevereiro, 1999

Transitando-se cuidadosamente neste espaço da arte de Vera Chaves, surpreendemo-nos situados diante de secretas marcas. Nebulosas marcas de um tempo fugidio, reproduzido inúmeras vezes por diferentes meios, trazendo à vida pública do poder e da arte os secretos momentos da sexualidade de uma rainha.
A instauração das imagens de imagens seqüenciais de cinco fotogramas estabelece um curioso contraponto com a realidade física dos objetos da rainha, estes não virtuais, encarcerados em urnas metálicas com cinzas. Nelas, alguns dos acessórios pertencentes a esta personagem compõem, em diversos fragmentos, possibilidades para a reconstituição de sua história de mulher. Entre suas cartas, luvas ornamentadas, colar de pérolas, vestido e pequena bolsa de cetim, lenço de renda e cinto trançado, o que restou de uma história de repressão.
Esta proposta artística traz à tona o detalhe: uma cadeia de cenas que remete ao mundo sigiloso desta rainha, rodeada por dispositivos que a ornam e lhe pertencem, como a caracterizam culturalmente como mulher. No entanto, a partir da particularidade deste trabalho descortina-se uma constelação de interrogações que se inserem no sistema planetário da comunicação contemporânea e das suas poderosas redes. Neste sistema, o que pode interessar desta história de uma rainha que busca seus momentos de amor? O que seria real neste fragmento de vida transformado em imagem de vida? Como pode a artista responder hoje a uma ordem e a projetos, estes perdidos no esmagamento das referências do homem dos nossos tempos?
Interessa-nos pois, examinar a produção artística em suas pretensões subliminares e especialmente a maneira como na arte de Vera Chaves as referências são abordadas, a maneira como elas enunciam, denunciam, antecipam. Para isso seguimos seus vestígios, o que eles indicam, isto porque eles agem como uma presença manifesta de sentido. Assim, as imagens da rainha remetem à reprodução da própria imagem através de diferentes meios, da fotografia da televisão, esta que por sua vez tem sua fonte no filme, e este, nascido enquanto representação de um recorte do real. E o emprego intencional destas múltiplas mediações técnicas pode levar-nos a questionar a identidade da arte em suas relações com a ilusão. A própria imagem fotográfica televisiva já é em si imprecisa. Imprecisão dos contornos não apenas deste meio, tampouco apenas da história da rainha, mas quem sabe também da própria essência da arte. Referências aos modelos entram em jogo através de uma forma narrativa, modelos de mulher, de rainha, da própria articulação artística. Nestas, irrompe a incessante e inquieta busca por uma recuperação da identidade, enunciando, denunciando e antecipando o lugar de uma rainha que é antes de tudo o de uma mulher, identidade que transita por entre as malhas da homogeneização e da opressão, nas quais também a arte parece perder cada dia mais sua especificidade de referir e de significar. Vera Chaves vai em busca destas questões em profundidade, para dizer com sua obra o quanto uma rainha constituída de imagens e de seus objetos pode em seu enigma deixar evidente o que lhe é próprio e da sua natureza, assim como o que é peculiar ao espaço da arte. Espaço este que é particularmente um nicho cognitivo vital situado com perspicácia no tecido das vastas e complexas redes da cultura contemporânea.

Mônica Zielinsky
Fevereiro, 1999

Caderno para Colorir II

Luis Francisco Peres
Barcelona 1987

Toda criação artística contribui igualmente para assinalar o grau de inflexão visual necessário para fixar seu encontro posterior de inter-relação perceptiva, sendo, o ato de olhar, a primeira manipulação ou devastação que se realiza da própria obra. Mas uma manipulação que se sabe devedora a dois preceitos de diferente inalterabilidade: sua unicidade original e única e o improdutivo de forçar a elocubrações hermenêuticas, o instante inaugural e íntimo que motivou a realização da obra pelo artista. Se bem que a segunda dessas leis se mantenha viva e inalterada em seus domínios, não sucede o mesmo com a primeira delas; há mais de cinqüenta anos, Walter Benjamin, com inteligência e lucidez invejáveis teorizou com rigor interessante, sobre a perda da aura da obra de arte, suscetível de ser reproduzida num processo de automatismo mecânico.

Com efeito, estes últimos trabalhos de Vera Chaves discorrem, não tanto por um desejo de alterar uma realidade estabelecida, mas em reconsiderar o processo em si mesmo como uma transgressão que possui vida autônoma e própria desde a gênese até o resultado final. Se bem que faz muitos anos que não se discute a valia da obra de arte utilizando como paradigma a estúpida hierarquia dos materiais empregados; seja por sua evolução natural, seja pela força do costume, ou, mera e simplesmente, por sorte, por uma disposição mais inteligente e generosa à particularidade e extravagância do absoluto da arte: tenho minhas dúvidas por outro lado, que a conseqüência dessa conquista haja eliminado por igual os limites impostos por um sentido aristocrático da visão, e esta poderia ser uma das muitas – e todas igualmente tão válidas como possíveis – vias que, em forma de expectativas funcionais se manifestam como principais vetores na obra de Vera Chaves. Estas obras exigem uma abordagem sem preconceitos, que esqueça um sentido falsamente ortodoxo da arte. As tomadas fotográficas de um determinado motivo (com freqüência referente à produção mais epigonal e impostora da arte) servem de base para sua ampliação e fotocópia para igualmente preparar seu encontro com a pintura. Quer dizer: com a cor e a luz. Paradoxal vingança desta contra a câmara escura. Sintaxe de um processo criativo que viria a sublinhar essa “transparente obscenidade” em que, segundo Baudrillard, vivem e se comportam as sociedades contemporâneas. Vera Chaves situa pontos de fuga a partir de uma constância não somente suscetível de ser modificada ou alterada, senão que é esta mesma realidade a que exige ser transgredida para assim, indefinidamente, recriar uma vez mais o mito de Sísifo: sempre seremos remetidos a sua origem.

Vera Chaves nos conduz a uma viagem de ida e volta. Uma viagem, talvez, as mesmas características, que tanto interessava André Breton: àquilo que se encontra entre a realidade relativa percebida pelos sentidos e a realidade absoluta desejada pelo espírito.

O olho do telescópio

Glòria Bosch

Que aparência? Aparentar corpos desabitados ou ouvir depois de haver cheirado, como diria Canetti. O interrogante sobre aonde estamos ou para onde vai a cultura ocidental surge na proposta Enigmas , um trabalho recém inaugurado na Galeria Artual , que convida à reflexão e tem a capacidade de surpresa, sobretudo ao girar o ângulo da sala, para finalizar a leitura da exposição.

Vera Chaves parte da captação de uma imagem fotográfica que provoca e sugere todo um processo criativo metafórico, a base de manipulações diversas que acentuam o poder dramático, irônico e crítico da proposta. Já o vimos através de sua longa trajetória em obras precedentes como Dones de la Vida ( Artual , 1992) e O Nadador , (São Paulo, 1995)*.

Na sua origem, este projeto nasce da leitura de um livro, uma reflexão sobre a parte enigmática da arte. A partir desse ponto surgem os enigmas considerados insolúveis, desde a origem da vida, até a liberdade da vontade. E assim aparecem as fotos-matrizes, três fotografias distintas de macacos (um olha, outro pensa e um terceiro centra o interesse no gesto) que trabalhadas em laboratório e meios eletrônicos, deram origem ao restante das imagens e elementos que as acompanham.

Como elementos, falamos de uma foto do telescópio Hubble que permite a dilatação do olhar, a percepção atemporal, perante o outro olhar primitivo do macaco que nos remete a uma origem cronológica. O tempo se completa com o interrogante, com uma seqüência de caixas de luz com letras de um alfabeto clássico moldado em sal, uma metáfora crítica da cultura ocidental.

A continuação, os sudários, telas pintadas com um pedaço de visom, questionam a liberdade do homem que, no entanto é cruel. A mutilação da mutilação.

A última imagem surpreende por inesperada, ainda que já estivéssemos sobre sua pista. Produz-se uma mudança de linguagem ao deparar-nos com a noiva-primata, uma espécie de alegoria que agrada tanto quanto nos é incômoda, mas é a figura que justifica o título da exposição, pois sua pluralidade multiplica os significados, o casamento entre o animal (homem) e a cultura? Ela supera toda a condição de mistério (como diz Chaves) para entrar no terreno do enigma. A noiva encerra esta leitura.

(Texto publicado no Guia del Ócio , 17 a 23 de maio de 1996, em Barcelona.)

Notas do tradutor:* Centro Cultural São Paulo

O Corpo, O Nome, O Feminino: Aspectos do Sagrado e do Jogo na Obra de Vera Chaves.

Icleia Borsa Cattani

… Seu trabalho é múltiplo em termos de meios técnicos e de temáticas; seu fio condutor é a investigação constante sobre as ligações entre processos intelectuais de percepção , a memória e a obra plástica. Dentro da coerência de sua trajetória, ao manipular meios técnicos de reprodução da imagem (fotografia manipulada, xerox.eletrografia, serigrafia) utilizou muitas vezes iconografia considerada kitsh dentro do sistema das artes oficial, revendo a criticamente; pelos temas escolhidos, e pelas técnicas empregadas, trabalhou mais frequentemente com a dessacralização do que com a sacralização. Dona de grande bagagem teórica, criou intencionalmente imagens “sem aura”, baseada em Walter Benjamin. Entretanto, em muitas de suas criações (a artista trabalha sempre com séries , temáticas ou formais), transparece o oposto, talvez de forma involuntária:nas séries em que trabalha com fragmentos do corpo humano (como Epidermic Scapes, Per(so)nas, Quebra-cabeça, ) transparecem às vezes, ligados a princípios de vida e morte, indícios do sagrado…

ICLÉIA BORSA CATTANI, 1995.

Doutora em História da Arte Contemporânea e professora e pesquisadora.

Vive em Porto Alegre. Brasil.

Extraido do texto   O Corpo, O Nome, O Feminino: Aspectos do Sagrado e do Jogo na Obra de Vera Chaves.

Um Olhar Mecânico e Pós-moderno

Carlos Scarinci
Desde o início, a obra de Vera Chaves Barcellos se propunha uma clara dialética entre o aberto e o fechado, ou como coloca Gillo Dorfles, entre “innen” e “aussen” (dentro e fora), ou ainda como prefere a artista entre “o orgânico e a razão , entre natureza e as coisas construídas” (1). Numa palavra, desde logo se impunha à artista a questão da Cultura, do sentido da criatividade humana, daquelas coisas que o homem, ao assumir o seu destino, acrescenta à natureza. Mas a questão é por demais complexa pois, muitas vezes, se chega à inversão das antíteses necessárias para pensar o conceito. Realmente, ao que dar prioridade: à natureza (organismo, necessidade, impulso, espontaneidade) ou à liberdade (deliberação, construção, projeto, artificio)? A relação é ambígua, liberdade podendo indicar um deixar-se impelir pelos impulsos, o predomínio da ordem orgânica, a superação de todo artificio. Tais questões são difíceis de dilucidar, até mesmo em história da arte. Assim, trabalhar artisticamente tais oposições é, sem dúvida, colocar-se a questão do significado da arte, e mesmo a da própria história.

Re-historiar os caminhos de Vera, talvez ajude a compreender o estado atual de sua produção artística. É bom não esquecer, por exemplo que suas xilos iniciais evoluíram daquele conflito básico entre o orgânico e o geométrico ou mecânico, tendendo às grandes dimensões. Embora ela pareça enfatizar o orgânico, como uma exigência de libertação, esta passa pela e se constitui como… consciência. Daí a necessidade de propor ao espectador o objeto de arte como forma de participação, jogo combinatório, peças permutáveis de um quebra-cabeça, feito as vezes de material moderno, industrial, a própria obra sendo, de certo modo, máquina de repensar a experiência, de alcançar a consciência (a razão?) de novos resultados formais que redimensionem os sentidos… conceitualmente.

O conceitual entra pela porta da psicologia profunda, Testartes, que propõem questões (junguianas?) a quem confronta as imagens tendo que responder pelo sentido da arte, pelo sentido da existência. A questão da Cultura, que engloba todas as outras, é posta com toda a clareza na série Ciclo (1973174), vinte serigrafias divididas em quatro “tempos”: “Natureza” (o incriado pelo homem, anterior a história), “Sinais do Homem” (as marcas não intencionais), “O Objeto Criado” (do utensílio à obra de arte), e “A Ação do Tempo” (a história?). No caso específico, ainda não se trata de “testarte”: mas de uma espécie de arqueologia pessoal do saber, um portfólio mundanal, um repertório que procura abrangência. Para tal documentação, Vera associa à serigrafia, que já vinha utilizando desde as peças permutáveis, a fotografia, novo recurso técnico que lhe abre possibilidades mecânicas de ver, uma percepção mais objetiva.

Esta nova objetividade inquisitória lhe permite notoriedade internacional, pois participa com seus testes visivo-textuais da Bienal de Veneza de 1976. A intenção é quase didática, não chegando a ser terapêutica, pois propõe-se a desencadear “processos mentais’: leituras, análises de quanto foi necessário para que o objeto representado viesse a existir. A uma obra assim aberta, desalienante, as respostas correspondentes devem também de o ser. Mas o interessante é que as imagens-testes são de passagens e de obstruções, portas, janelas, escadas e muros: a permanente temática do aberto e do fechado, do sair de dentro para fora, libertar-se. O enquadramento do olho mecânico da câmara fotográfica garante a partir de então a racionalidade do escrutínio das sensações, tornando visual, o que é tátil, texturas ( Visual-Tátil , 1975), tornando imagem mecânica (cultura), o que é natureza.

Muros ou Homenagem a Leonardo retomam a reflexão do “fechado” mas descobrem nas palavras do mestre renascentista que, através dos salpicos e manchas nas pedras dos muros, se pode visionar paisagens, e mais… abrí-los. Isso permite deixar cair também os muros do próprio corpo, recuperado agora, como paisagens táteis, epidérmicas (Epidermic Scapes, 1977182) ampliações fotográficas de liberados detalhes e textural anatômicos.

Nesta mesma época , Vera participa de uma experiência grupal de vanguarda, Nervo Óptico (1976) que com Pasquetti, Dariano, Asp, Lanes, Mara, Romanita e, depois, com outros, busca a renovação das linguagens visuals em seu meio social ainda artisticamente periférico. Desfeito o grupo (1978), a convicção de Vera da importância das artes e do seu destino social, e o espírito de participação que a caracteriza, fariam tornar-se a principal animadora do Espaço NO que até 1982 constituiu um núcleo de pesquisa jovem e mesmo de intercâmbio nacional de uma experiência artística de inovação, nunca igualado, antes ou depois, em Porto Alegre/RS.

Neste meio tempo, ela viaja freqüentemente. É Nova York, Amsterdam, Düsseldorf, Barcelona, etc. onde produz anotações fotográficas que traduz, experimentando as possibilidades em preto e branco e as cores, na linguagem reprodutiva do Xerox, que ela soma às da fotografia. Nascem assim álbuns como Keep Smiling, Manequins de Düsseldorf, Memórias de Barcelona, Momento Vital e Da Capo, onde, além das transmutações do urbano (cityscapes), em natureza (landscapes), quer como ruína, quer como imagem modificada, em alguns casos liquefeita, Vera volta-se para os esteriótipos humanos do cotidiano, essa espécie outra de entropia, ao sorriso convencional, por exemplo, a mesmice dos gestos, das atitudes, das vestimentas, à teimosa recusa ao criativo, ao diferenciado e ao diferenciador. Mas, o que parece importante aqui é a utilização do Xerox, pela multiplicação facilitada de sua reprodutibilidade possível. A obra de arte como material se banaliza, torna-se mera mídia, comunicação de massa. Mas, Atenção.. O Processo do Perceber é Seletivo , mesmo, ou principalmente, quando o escrutínio da realidade se faz por meios mecânicos. Pode também sê-lo porém, quando a observação é feita através de meios tradicionais como o desenho. A percepção é seletiva, isso quer dizer que é fragmentadora, e o sentido, a significação da representação é que é um trabalho de recuperação do interesse sensível, uma reconstrução da inteligência, um resultado conquistado, embora não unívoco.

Começa assim para Vera o jogo pós-moderno das cópias, isto é das reproduções de objetos banais, de produções as “mais epigonais e impostoras da arte” mas que também podiam ser reais obras de arte, repetidas inúmeras vezes, mas fragmentariamente ampliadas, repintadas, xerocadas, isto é, modificadas no próprio processo de reprodução.(2) A proposição crítica agora e mais direta, dispensa o questionamento verbal, torna o próprio olho interrogativo, numa “ressensibilização do olhar”(3). E, o que é mais, faz entrar em colapso os próprios meios da representação e, até, o próprio significado do que arte é.

Aracy Amaral chamou a atenção para o uso não realista que Vera faz da fotografia, mas isso é o de menos(4). Na verdade, a partir destas fragmentações e escrutínio das imagens, todo um processo deconstrutivo se instaura. O referente, o objeto real a que se refere a imagem fotografada (o significante) e o conceito dele pensado pelo espectador (o significado), perde detinitivamente a vez. Que o referente, a realidade, existe é ocioso por em questão, mas ela só se entrega no processo de percepção, na expressão, seja através do olho, do desenho, da máquina fotográfica, ou da arte em geral, como processo codificado, ordem estabelecida arbitrária e historicamente, mesmo na percepção como tal, por fisiológica que seja. Este fenômeno é que funda os estilos, possibilita a diferença, deflagra a liberdade. Do real só ficamos sabendo através do discurso, seja ele folclórico, teológico, artístico ou mesmo científico.

Pois bem, o que Vera Chaves Barcellos veio fazendo ultimamente tem sido denunciar a fotografia como linguagem, na medida em que suas “cópias” repetidas se mostram levemente diferentes a cada vez, pois o meio se modifica aleatoriamente, seja por diferença da retícula, da luz, da cor, ou da própria sensibilidade do suporte. A fotografia que parecia meio capaz de reproduzir a realidade, o referente, tal e qual, de repente, bum!, Explode em linguagem, em estrutura socialmente convencional de comunicação.

Isso já se tinha visto em A dama com a mão no peito , aquela espécie de montagem sincrônica, estática, exibida no Museu de Arte do Rio Grande do Sul como uma das páginas dos seus Cadernos para colorir II , em 1987.

Mais recentemente, a participação de Vera Chaves Barcellos no Projeto Missões: 300 Anos , deu-lhe oportunidade de transformar sua visão fragmentadora em uma instalação de quatorze fotografias “manipuladas”, isto é cópias diferentemente pintadas, as cabeças ou as parses que delas mais se aproximam separadas em outras quatorze fotos, enterradas no carvão contido numa grande caixa no chão. Em Busca da Cabeça, Em Busca do Coração , uma das peças mais signiticativas da mostra A Visão do Artista: Arte sobre arte: a visão contemporânea das Missões , colocava um problema que já estava embutido em toda a obra de Vera, mas que assim teve oportunidade de assumir-se mais claramente (5). E que toda ação fragmentadora, toda a deconstrução da coisa, ou mostração do meio, da linguagem, historializa, o pronunciamento, artístico ou não, como tomada de posição, como consciência que reacende no coração, chamas apagadas, viradas coisa fria… pétrea, como um compromisso de fazer a história ter sentido, significar.

É o que se vê na presente exposição. Pronunciamentos foto-pictóricos, desmistificadores da própria monumentalidade do herói, exemplo e matriz da história, personagem para repetir (ou colorir se se quizer), mas ironicamente solenizado pela mortalha enchovalhada que se extende com grinalda de ponta a ponta da série fotográfica nove vezes repintada de O Peito do Herói . A própria dimensão para-monumental não será ela mesma uma ironia pós-moderna? Assim também os trinta e dois módulos do Jogo de Damas, que uma régua de quase sete metros sublinha, sob medida. Mas o que é a medida senão fragmento, como os deste A Grande Taça , em dezesseís partições fotográficas, que se diversificam pelo close-up, pela ampliação, pela mudança de tom e luminosidade. Alias, fragmentos da mesma taça que reaparece duplicada em colorações diferentes, no díptico Em Que Taça Beberei , quatro vezes repartidas cada uma, mas feitas miríade de cacos na caixa acrílica que jaz sob as reproduções.

Ironia que se pode flagrar nas outras peças da mostra, nesta Natureza Morta (O Jardim) , que brinca de Abstracionismo, num quase trocadilho com o mito modernista do achamento utópico de uma linguagem universal como finalidade da arte pura.

Se pode concluir que o avanço da arte de Vera Chaves Barcellos se fez ultimamente pela aquisição de uma consciência irônica, pronta para questionar tanto a arte como a história. Talvez não falte muito para que ela venha a questionar o próprio caráter institucional do fazer e veicular arte, atravessando a consciência adquirida da linguagem e do material com o questionamento da postura do artista frente a si mesmo e à sociedade nacional e planetária do seu tempo, dentro do quadro pós-moderno de uma História em permanente necessidade de ser refeita.

CARLOS SCARINCI , 1988.

Crítico de arte. Vive em São Paulo.

In catálogo Vera Chaves Barcellos, Obras Recentes. Porto Alegre: Galeria Arte & Fato, 1988.

1 Cito Dorfles a partir do comentário de Cris Vigiano, “A Experiencía Gráfica’ in Vera Chaves Barcellos, vários autores, Porto Alegre/RS: ESPAÇO NO Ñ ARQUIVO, 1986. A distinção entre estes dois aspectos da obra de V.C.B. e sua relação dialética foi, entretanto, estabelecida pela primeira vez por mim, em apresentação do catálogo da mostra da artista na Biblioteca Municipal de Santa Maria, em 1968, depois retomada em meu livro A Gravura no Rio Grande do Sul 1900/1980 , Porto Alegre: Editora Mercado Aberto, 1982.

2 A citação levemente modificada é de Luis Francisco Pérez, em comentario sem título, no catálogo Vera Chaves Barcellos: Cadernos Para Co/orir II Ñ O Jardim , do Museu de Arte do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, 1987.

3 Icléia Borsa Cattani, “Jogos e/ou A Originalidade da cópia” In Vera Chaves Barcellos: Cadernos para Colorir IIÑO Jardim. Porto Alegre: Museu de Arte do Rio Grande do Sul, 1987.

4 Veja Aracy Amaral. “Perceber como Forma de Criação”: In Vera Chaves Barcellos , vários autores Porto Alegre/RS: Espaço NO, 1986.

5 A mostra um Projeto Cultural Iochpe, percorreu o Brasil, sendo inaugurada em Porto Alegre em maio deste ano, no Centro Cultural da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, com patrocinio do Ministério da Cultura, da SPHAN / Pró-Memória e Governo do Estado do Rio Grande do Sul e teve a curadoria de Frederico de Morais.

MISSÃO 300 ANOS

Evelyn Berg Iochpe

Há, em Vera, um fio condutor que diz respeito à bipolaridade de sua postura e que é, afinal, a bipolaridade humana: de um lado o racional, que se traduz num trabalho conceitual; de outro, o tratamento simbólico dado às questões mais orgânicas. Um e outro se colocam em ciclos bem definidos na trajetória da artista em que ora o aspecto racional, ora o orgânico/simbólico preponderam. De uma ou outra forma, através de uma ou outra técnica, vem criando uma obra que leva o espectador a indagar-se sobre o sentido da própria arte, enquanto espaço de crítica da cultura. Através deste questionar-se, ela sensibiliza o espectador, tornando-o partícipe da obra.

EVELYN BERG IOCHPE .

Jornalista e crítica de arte. Vive em São Paulo.

In catálogo Missões 300 Anos: A Visão do Artista, Porto Alegre: Projeto Cultural Ioschpe, 1987.

Jogos e/ou a Originalidade de da Cópia

Icleia Borsa Cattani
Porto Alegre, 1987

Poderíamos dizer, parafraseando Gertrude Stein: uma imagem é uma ima­gem é uma imagem… Uma imagem é, sempre um conjunto organizado de signos ocupando uma superficie plana (ou, em seu sentido mais amplo, um espaço tridi­mensional), que pode ser apreendido seja como uma estrutura analógica, seja como estrutura arbitrária. Ela pode figurar ou reprodozir o mundo das aparências, ou ser uma pura organização de significantes. De qualquer forma, ela possui vários níveis de significação e opera sempre num espa­ço histórico, marcado, portanto, por uma cultura, uma estética, uma ideologia. Mu­dam, inclusive, as formas de produção da imagem. No século XX, estas caracterizam-se, entre outros aspectos, pelos jogos que o produtor instaura com seus formantes plásticos. A descoberta de sua especificidade, em detrimento de qualquer “mensagem”, foi elemento fun­damental para a produção contemporâ­nea. “A arte não reproduz o visível, ela torna visível.” (Paul Klee)

No trabalho de Vera Chaves Barcellos existe um jogo sistemático com as possibi­lidades da imagem. A trajetória de sua produção é marcada por incansáveis pes­quisas nesse sentido desde 1966-1967. As xilogravuras dessa época caracterizam-se já pelo jogo formal, “simbolos de contras­te”, como o definiu a artista, entre “mun­do mecânico (ou construido) e mundo orgânico (ou natureza)”.(¹) Na mesma época, surgiram obras como o Tríptico para combinações , gravuras em acrílico que possibilitavam, como o nome indica, diferentes combinatórias que modificavam a forma final. Contrariando a regra matemática, nesse caso específico a ordem dos fatores alterava fundamentalmente o produto… Tal trabalho ocorreu num momento histórico no qual muitos artistas procuravam a participação direta do espectador em suas obras, em que o estudo de Umberto Eco sobre a “Obra aberta” respondia diretamente às inquietações nesse sentido. Seguindo a mesma linha de proposta, em 1970 Vera elaborou serigrafias cujos módulos possibilitavam inúmeras variações (série dos Permutáveis/Combináveis ). É importante salientar que os títulos são sempre, em sua obra, extremamente evocativos do processo que pesquisa no momento. Nos anos 70, a fotografia foi introduzida em seu trabalho, ligada muitas vezes a outras técnicas, principalmente a serigrafia. Na maioria dos casos, fotografava pessoalmente o que a interessava. Tal prática aguçou suas reflexões sobre o processo da percepção e sobre a apreensão do real, pelo olhar humano e pelos aparelhos, que nos permitem perceber além do real: ampliações, cortes, reduções… Abriramse, assim, novas possibilidades de elaboração de imagens e de reflexão sobre as mesmas. \A série dos Testartes , mostrados na Bienal de Veneza de 1976, foi uma culminância deste processo, implicando mais uma vez na participação ativa do espectador. Naquele momento, entretanto, a participação não ocorreu através da manipulação de elementos formais, mas através de perguntas que incitavam à projeção do imaginário de cada um sobre a imagem exposta. As fotografias de Epidermic Scapes , de 1977-1982, propunham fragmentos do corpo humano como paisagens, como o título permite supor; tratava-se de uma seleção de elementos que permitiam uma leitura ambigua: o que é intrinsecamente nosso (corpo) visto como exterior a nós (paisagem). “Inquietante estranheza” a que provoca essa viagem por fora (e por dentro) de nós mesmos… Na série de fotografias intitulada Atenção, Processo Seletivo do Perceber , a artista jogava novamente com uma fragmentação do corpo-só que não se tratava mais do corpo humano, mas do corpo da imagem. A fragmentação, privilegiando detalhes, conduzia a seu redimensionamento e à descoberta de seus meandros, criando imagens-labirinto. Nesse trabalho ocorreu algo que facilita a compreensão do seu processo real a utilização da fotografia como ponto de partida, e do xerox como meio complementar que permite, com maior facilidade que a foto, ampliar detalhes. Cada pedaço da imagem original é transformado numa outra imagem, autônoma. Em Quebra-cabeça (1983/1984), o processo de desmembramento da imagem fotográfica era similar ao trabalho precedente, mas as cópias-xerox dos fragmentos foram substituidas pelo desenho, exigindo da artista um novo dimensionamento do processo da percepção. Dentro da lógica da trajetória da produção de Vera Chaves Barcellos, não é de espantar a multiplicidade de técnicas, pois elas sempre serviram, basicamente, como suporte para a idéia. O desenho, a gravura e, principalmente, a fotografia trazem implicitas as possibilidades infinitas de multiplicação da imagem e de jogos combinatórios. A ressensibilização do olhar, através do Processo Seletivo do Perceber , sempre foi para a artista objetivo primordial.

No trabalho atual, o jogo se intensifica e se enriquece em sutilezas. Todas as possibilidades são exploradas no desdobramento da imagem e de seus detalhes. A imagem de partida é constituida de elementos do cotidiano. Os cortes e a ampliação de suas partes criam contextos novos, nos quais perdem-se todos os referenciais iniciais, restam, apenas, sugestões de objetos ou de formas. O mesmo processo de trabalho das etapas anteriores faz com que se chegue, no caso atual, a um conjunto ambíguo, no qual alternam-se imagens reconhecíveis e outras, irreconhecíveis (que seriam comumente denominadas “abstratas”). Conjugam-se aqui as infinitas intervenções possíveis. Por um lado, os mais sofisticados meios de reprodução: fotografia, fotolitagem, xerografia em branco e preto e a cores, sobre papel comum e papel fotográfico. Por outro lado, o antigo fazer artesanal, com pintura a guache e acrílica. Entre os dois extremos, técnicas intermediárias, como a serigrafia. A imagem fotográfica de partida é, sobretudo, um elemento instigador. Há a contraposição de detalhes da imagem original (originária), simplesmente reticulados, com sua cópia pintada a mão com infinitas variantes. Há também a xerografia colorida das pinturas. Jamais exatamente idêntica ao original, apresenta-se como outra imagem, contraposta à primeira: reduzida ou ampliada, com maior ou menor contraste.

“Existem coisas que são mais bonitas na cópia, pelas sutís variações das cores. A cópia permite, também, realçar detalhes que passam desapercebidos no original.” (²)

O jogo abre um leque de infinitas possibilidades. Há o fascínio das variações possíveis em cima de uma única imagem-imagem que já é, ela mesma, mediatizada, partindo da fotografia. Ocorre um rebatimento, um jogo de espelhos.

“Há, também, uma defesa do real da fotografia, como ponto de partida da experiência estética…” (³)

Que real é este? O que se dá como ponto de partida, e do quê? A fotografia já é um instrumento codificado, o real se situa fora (e além) dela. Ela caracteriza-se pela possibilidade de ampliações, reduções e cortes, e pela superficie plana de seu suporte-elementos que, por si mesmos, desvendam o caráter ilusório de seu “realismo” e “objetividade”. Mas é necessário refletir sobre o processo aqui analisado: partir de uma imagem pronta e nela interferir, dela fazer outra coisa. De uma cópia neutra, criar um original rico em sentidos. Trata-se de processo característico da arte, o oposto da univocidade das técnicas de reprodução. Bolas para imagem de partida! O que interessa é o que se pode fazer com ela.

Recriar a “aura”, e novamente destruí-la. Segundo Walter Benjamin, a aura da obra de arte está ligada à noção de autenticidade, à obra única, ao momento privilegiado da fruição: a arte como objeto de culto, tal como era em suas origens. A noção de autenticidade não tem sentido para uma reprodução, técnica ou não, mas é, pelo contrário, fundamental para a arte contemporânea. Com a secularização da arte, ela torna-se o substitutivo do valor cultual. (&sup4;) Vera Chaves Barcellos faz da cópia um original, através da pintura; desse original, tira nova cópia, passível de ser reproduzida ao infinito… No trabalho final, existe uma coexistência instigante das cópias e dos originais. Sutilezas do jogo; às vezes, só um exame acurado permite distinguir um dos outros… E, sutileza suprema: de cada cópia, só existe um exemplar – ele torna-se também, portanto, único e talvez insubstituível. Realmente, como diz o título. “Era uma vez (e só uma vez?) uma imagem…” E a aura, como fica a aura?

Porto Alegre, 1987.

ICLEIA BORSA CATTANI.

“Jogos e/ou a Originalidade de da Cópia”. In catálogo Vera Chaves Barcellos: Cadernos para Colorir II – O Jardim. Porto Alegre: Museu de Arte do Rio Grande do Sul, 1987.

(1) Trecho de depoimento escrito pela artista em 1977. IN: VIGIANO, Cris et ailii. Vero Chaves Barcellos. Porto Alegre, Ed. Espaço NO-Arquivo, 1986. Esse livro traz uma análise mais campleta das fases da produção da artista, que o presente estudo não comporta.

(2) Entrevista concedida à autora: agosto de 1986.

(3) BARCELLOS, Vera Chaves. “Cadernos para colorir ou Era uma a vez uma imagem…” Catálogo de exposição. P. Alegre, Galeria Arte e Fato, julho de 1986.

(4) BENJAMIN, Walter. “A obra de arte na época de seus meios de reprodução”. IN: VELHO, Gilberto. Sociologia da Arte IV. Rio de Janeiro, Zahar, 1969.

Perceber como forma de criação

Aracy Amaral
1981

Perceber como forma de criação
por Aracy Amaral

Não estou segura se a Vera C.B. importa realmente que seus trabalhos neste estágio sejam considerados ”obras de arte”, mas pessoalmente essa qualificação me parece desprovida de qualquer interesse. Num mundo cada dia mais especializado, de compartimentos estanques, o grande desafio consiste, realmente, em se conseguir uma integração arte-vida, perdida no decorrer dos séculos, e que, a meu ver, ela tenta obter, desinteressando-me por completo se isso se dá com uma aproximação maior da área de psicologia, por exemplo. Parece-me antes positivo que ela consiga enlear um observador com suas imagens-proposicões, quando em geral a “arte” tal como é hoje praticada, é indiferente ao público e, em conseqüência, este é apático ou mesmo hostil à produção artística. Outro dado curioso a levantar em relação a seu trabalho é a utilização da fotografia como instrumento. Não a fotografia como matriz, sobre a qual se elabora uma obra de realismo fotográfico”, mas a fotografia como fio condutor da mensagem que se quer transmitir. Ou seja: o dado poético pode freqüentemente estar na imagem proposta por Vera C. B., assim como o dado documental, porém não é esse caráter da imagem o fundamental na veiculação a proposta da artista, mas a carga que do ponto de vista dos sentidos essa imagem pode comunicar a seu leitor…

São Paulo, abril, 1981.

ARACY AMARAL.

Crítica de arte e pesquisadora com diversas obras publicadas.
Extraido do texto “Perceber como forma de Criação”, in catálogo Vera Chaves Barcellos, vários autores. Porto Alegre /RS: Espaço N.O., 1986.

Conceitos

Victoria Combalia
1987 Conceitos
por Victoria Combalia

Um caráter totalmente diferente é o que mostra o trabalho de Vera Chaves artista brasileira radicada na Catalunha desde algum tempo.

O interesse pelos aspectos conceituais de uma obra-campo no qual Vera vem trabalhando há alguns anos-perdura ainda em algumas imagens onde põe em questão, precisamente, o artesanal de uma obra de arte. Fotografias de um tema, fotografias coloridas a mão e sua fotocópia a cores, nos põem diante dos olhos o problema da originalidade, da reprodução mecânica e outras questões afins, que obrigam ao espectador, uma boa lógica conceitual e o repensar sobre a natureza do que chamamos de arte.

VICTORIA COMBALIA.

Crítica de arte. Vive em Barcelona.

El País, Brasil en Barcelona- Em Cartel . pág. 15, 22/maio/87