Reproduzimos na íntegra o posicionamento da artista Vera Chaves Barcellos sobre o fechamento da exposição QUEERMUSEUCartografias da Diferença, do Santander Cultural. Leia aqui.

O poder atribuído das imagens

 

A polêmica levantada pelos protestos neste fim de semana por parte de usuários do Banco Santander, relativos aos conteúdos da mostra QueerMuseu, e seu consequente fechamento dão margem a uma série de reflexões.

Essas pessoas sentem-se extremamente ofendidas por imagens, estas sempre sujeitas à diversidade de interpretações segundo o repertório de cada um, mas que segundo a interpretação delas, ofendem a moral e os bons costumes.

Mas é bom destacar que o que chocou todas essas pessoas são apenas imagens e que permanecem na sua condição de imagens.

Eu gostaria de saber quantas vezes essas pessoas que se chocaram e protestaram tanto como agora contra essas imagens também protestam e se chocam com os fatos de nosso cotidiano brasileiro, fatos e não imagens, os quais ferem inúmeras vezes, com extrema violência os direitos individuais e a cidadania.

Mas retornando ao tema objeto dos protestos, que acusam as imagens de defender a pornografia e pedofilia, e cenas de sexo explícito, entre outras questões, mais efetivo e contundente seria combater os fatos como a pedofilia, pornografia na internet, o abuso e assassinatos de mulheres, maus tratos a minorias, turismo sexual, exploração sexual de crianças do que protestar contra imagens que afinal não podem sair de suas estáticas condições de obras de arte, boas ou más segundo critérios estéticos diversos e controversos. Os citados acima são fatos sim, não são imagens. São a realidade do cotidiano da vida brasileira, sem citar escândalos atuais desvendados na caixa de Pandora da nossa vida política sem que ninguém levante um dedo, e encarados com aparente indiferença.

Há tantas coisas mais importantes a reclamar em nossa sociedade do que uma meia dúzia de imagens que não tem nenhum poder de acionar forças efetivas, diante do que é diariamente visto na mídia, e especialmente a que documenta a realidade, em testemunhos da inconsciência ecológica, das guerras, opressões, migrações e inúmeras iniquidades e injustiças que graçam pelo mundo.

Vejo como misto de hipocrisia e ignorância, atacar imagens e ficar indiferente aos fatos.

E o Banco Santander, além de perder alguns clientes, terá ficado temeroso que nas noites essas imagens como num filme de terror, se animariam e fariam orgias nas dependências de sua nobre sala de exposições?

Há também um fato grave e de mau augúrio nesse boicote e a consequente atitude ambígua do Santander Cultural e da administração do Banco e de quem por ele responde, de censura, desdizendo o texto de apoio à mostra colocado no catálogo, e fechando suas portas sem uma prévia e ampla discussão das partes interessadas numa atitude verdadeiramente democrática. Sem nenhuma discussão, o Banco tomou partido e se tornou censor, o que abre um precedente e pode ser indício de que coisas piores poderão vir pela frente, lembrando os tempos da ditadura militar e cerceamento das formas livres de expressão.

Vera Chaves Barcellos, 11 de setembro de 2017.