Luis Francisco Perez
“Houve um tempo, não muito remoto em que a questão da autenticidade a respeito das criações do espírito era tão pouco abordada como a originalidade, ainda desconhecida para a época de Bach.”
Theodor W. Adorno

A observação do pensador alemão pode ser encontrada em seu brevíssimo ensaio “Golden Assay” e forma parte dessa arrogante demonstração de inteligência que o autor chamou de Mínima Morália. No “Golden Assay” Adorno teoriza, seguindo a esteira, se bem que de uma maneira mais perversa e esquínaca, do Schopenhauer em “El mundo como volutad y representación”. A crítica de Adorno aos ingênuos valores que se atribuem aos conceitos de genuíno e de autêntico como uma resposta (na defensiva) da ideologia burguesa perante o monstro criado por ela mesma, quer dizer: o lógico desenvolvimento de um capitalismo produtivo dirigido sem remissão a uma enlouquecida metástasis de seus bens de consumo e com isto à alteração simbólica dos conceitos de “genuíno” e “autêntico”. Conceitos que serviam para delimitar um tão falso como abstrato “território estético” que validava a unicidade da classe burguesa dominante servindo-se do diabólico mas efetivo casamento entre moral e verdade.

Cremos oportuno haver iniciado este texto de apresentação de Os Nadadores, obra de Vera Chaves, situando a brilhantez conceitual da mesma inflexão que a autora leva a cabo entre a falácia burguesa que distingue o genuíno e o autêntico daqueles outros produtos marcados desde o seu nascimento com um “plus” de desvalorização apreciativa. Mas a originalidade das colocações de Vera Chaves, consiste em que a artista parte de uma ativação sentimental e afetiva (o achado ao azar de uma foto de jornal) órfã da mais mínima logística com que contam os produtos situados na órbita do “artístico”, se bem que não carente de um estranho poder de fascinação, para logo de essa ativação sentimental, re-situar o dado (uma simples mas não vulgar fotografia) no território das formas. A novidade do tratamento de Vera Chaves, em definitivo, viria dada pelo fato de que a fotografia original era uma forma estética sem ideologia, para posteriormente converter-se em uma ideologia da forma. Com outras palavras: Vera Chaves encontra um “objet trouvé” desideologizado (a fotografia), para logo depois de sua manipulação convertê-lo numa manifestação formal no espaço que se julga e calibra pela carga simbólica e ideológica. A autora parece nos dizer: todo objeto possui o fetichismo da mercadoria, mas corresponde à prática artística (entendida como construção moral) dotá-la não de uma aura estética, mas sim de um espaço de significado social e político.

A foto de jornal possuía uma condição aurática (isto e nada mais foi o que provocou a ansiedade sentimental em Vera), mas Os nadadores possuem agora uma fascinação de complexo discernimento teórico onde a psicologia das faculdades se entrecruza e alía com a psicologia das formas, para entre ambas conseguir um discurso ideológico em torno ao Único, ao Original, os Vendível, ao Inútil, ao Necessário, ao Importante, ao Válido… à Moral, em definitivo.

Falamos da “psicologia das faculdades”. Também poderíamos haver dito “psicologia dos sentidos”. Grande parte da sedução visual que nos provoca uma obra como Os Nadadores provém da faculdade de filiação sensualista sem por isto mesmar nem um pouco todos aqueles atributos conceituais que comentamos até agora.

De fato, Os Nadadores participa de uma das melhores qualidades que possui em geral todo o trabalho de Vera Chaves: a dimensão física, matérica e terrenal, que de uma forma de abordagem telúrica a artista situa em todas as suas especulações estéticas e morais. Na obra que agora nos ocupa, apesar de toda ausência de retórica expressiva que nela há, uma corrente de pansexualismo distribui por todo o trabalho uma alteração dos sentidos, e com esta põe em ação discursos geradores de uma sexualidade mais aberta, mais hedonista, mais gozosa.

O triunfo de Vera Chaves consiste em utilizar o corpo humano como pretexto para erotizar a ideologia das formas.