Porto Alegre, setembro de 2007
Ana Albani de Carvalho
Neiva Maria Fonseca Bohns
Esta exposição segue uma das linhas curatoriais adotadas pela Fundação Vera Chaves Barcellos, que consiste em apresentar seu acervo através de mostras articuladas segundo critérios gerados no contato com as próprias obras.  A rigor, o trabalho de seleção de peças não se constrói como um exercício em etapas estanques e, sim, como conexões em rede, nas quais é possível propor associações de ordem formal, conceitual, temática, técnica etc.

Cada obra é um mundo. E como sabemos através da história, mundos distintos podem conviver, tirando partido exatamente das suas riquezas particulares. Por outro lado, os universos individuais também são plenos de diversidade. Ainda que o objeto de investigação seja o mesmo, as percepções nunca serão idênticas.  Os indivíduos, munidos de repertórios pessoais e intransferíveis, projetam sobre elas aquilo que conhecem; e percebem o que reconhecem.  Em essência, esses mesmos procedimentos estão na base do exercício crítico, em suas mais variadas formas de apresentação.

A questão colocada por Michael Chapman, de que a experiência artística é reveladora por evidenciar a diversidade do mundo sensível, calhou perfeitamente bem para enfatizar as posições que assumimos. Ao afirmar que Não existem dois elefantes iguais – expressão de que nos apropriamos para o título desta exposição – o artista chama a atenção para as diferenças de ponto de vista, de concepção, de repertório cultural, de interesses individuais que constituem o panorama da contemporaneidade. Baseadas na idéia de que não existem chaves ou fórmulas definitivas de entendimento das obras de arte, privilegiamos alguns enfoques, considerados como possibilidades de articulação entre obras singulares.

A sutileza das xerografias de Carmela Gross é exemplar para observarmos como a economia de meios pode estar alinhada à complexidade artística, semântica e poética. Aqui a sonoridade perfeita do mais conhecido poema de Olavo Bilac surge sobre um pequeno céu estrelado.  Deslocada do seu contexto pomposo, e recolocada sob a estética dos tempos recentes, que aceita delicadezas quase imateriais, a poesia parnasiana, rimada, precisa, recupera o fôlego perdido, para dizer que “só quem ama pode ouvir estrelas”. O diálogo que se desenvolve entre pensamentos artísticos de diferentes períodos históricos também é perceptível no vídeo Apolinère Enameled de Patricio Farías, com seu duplo processo de apropriação, que nos leva, de maneira inquietante, diretamente às mais inconfessáveis razões de Marcel Duchamp.

O humor e a ironia estão presentes em várias obras desta exposição. Na vídeo-instalação Arvorar, de Mariana Manhães, composta de engenhos eletro-mecânicos envoltos em uma atmosfera lúdica, a artista trata, metaforicamente, de assuntos fundamentais como as dificuldades de comunicação presentes na sociedade contemporânea.  E, se a idéia de humor é pertinente nesta obra de uma jovem artista brasileira, o uso da expressão “Brasil… tudo bem, tudo bom!” pelo experiente Antoni Muntadas, sobreposta à imagem de nossas verdes matas não esconde sua penetrante ironia.  Acostumado a associar o raciocínio e as práticas da arte conceitual a comentários sociais e políticos, o artista espanhol tece sua visão crítica sobre o Brasil, cuja população, resignada a enfrentar adversidades, sempre encontra razões para seguir em frente, mesmo diante de situações inaceitáveis.

Por fim, trabalhos tão diversos quanto aos procedimentos e aos propósitos que monopolizaram seus autores durante sua realização, tais como as litografias Parsifal, de Robert Wilson, a fotografia Thumb Butte Loop de Luiz Carlos Felizardo ou Desenhos al Óglio, de Carlos Pasquetti, provocam no espectador uma experiência de potencialização do olhar, seja através do recolhimento, no caso das duas primeiras, ou pela da expansão, no último caso. São obras que não se deixam aprisionar, que fazem recuar qualquer tentativa de interpretação reducionista, vivendo no limiar entre o prazer da criação e a instabilidade do pensamento.