“A fotografia é um instrumento perfeito para duvidar”

Fotografia transversa* quer indicar, de saída, uma condição contemporânea da imagem fotográfica: a de procurar uma transversalidade de linguagem (de intenções estéticas e semânticas), como outro caminho encontrado de hibridação artística que transversaliza territórios e posições em favor de uma visualidade mais viva. Algo que pode ser resumido tanto na distância do mimetismo representacional como da dialética binária imagem-realidade – que a fotografia de outrora ajudou a desenvolver como agora ajuda a desmitificar em seu reconhecimento de ficcionalidade –, e ao mesmo tempo, na potencialização de outros suportes e registros para uma imagem que favorece a transmutação visual e perceptiva. Reflete-se então sobre dois pontos comunicantes: a implosão e desvio do suporte tradicional, que se faz imagem múltipla, metabolizada com linguagens afins, e uma chamada fotografia plástica que não evita a fricção das imagens fixas e em movimento (a sua condição de entre-imagens).

Assim, Fotografia transversa procura indagar no conceito de uma “fotografia que está além da fotografia”, que está dentro e fora dela – que sabe virar do avesso a sua história e se ver em outra contextualização de significados e dimensões –; que se metamorfoseia em outra coisa não canônica (nem refém de códigos pré-categorizados), mas utilizando, porém, elementos do vocabulário fotográfico para abrir-se a outras estratégias representacionais de imaginários mais livres.

Nesta proposta, portanto, se privilegia aquela fotografia que conta com a experimentação do suporte de forma constitutiva, estrutural, e em suma, semanticamente. Isso permite abrigar experiências perceptivas que podem estar além da planaridade, da contemplação meramente retininiana – abrindo-se para outra sensorialidade mais múltipla, mais contaminada de sentidos –, e, evidentemente, além da leitura da imagem fotográfica como mero correlato documental. Fotografia transversa abriga, pois, experiências daquela fotografia que trabalha com dimensões objetuais e espaciais, e se articula com outros gêneros artísticos, apostando num meio híbrido de transformação visual. Como fotografia ampliada, então, os trabalhos aqui reunidos utilizam a fotografia como ponto de partida, mas não necessariamente de chegada.

Obs. Talvez a translação do conceito de fotografia para o de imagem – a imagem e semelhança de muita arte contemporânea seguindo os desígnios de um novo entendimento da visualidade – seja o leit motiv subjacente desta mostra. Fotografia transversa, de alguma forma, mapeia esse trânsito, ou melhor, esboça, adivinha esse salto estético, que não deixa de ser quântico em nossa época.

O termo ”transversa” *, referindo-se à certo tipo de fotografia, foi sugerido ao autor, em uma conversa com  Vera Chaves Barcellos.

           Adolfo Montejo Navas