A 18ª edição da Revista Select, cujo tema era Herdeiros, publicou reportagem sobre o destino das obras do artista Hudinilson Jr.

(Leia aqui: http://bit.ly/1uHomNb)

Na ocasião, algumas questões não ficaram claras na publicação, como, por exemplo, as relações entre a Fundação Vera Chaves Barcellos e a família do artista. Atendendo a um pedido de direito de resposta, a Revista Select voltou ao tema, e publicou um artigo da FVCB com esclarecimentos.

O site da Fundação Vera Chaves Barcellos reproduz o artigo na íntegra. O texto pode ser acessado no site da Revista Select:

http://www.select.art.br/article/reportagens_e_artigos/hudi?page=unic

No dia 22 de janeiro de 2013, antes de submeter-se a uma cirurgia de prótese de quadril, o artista paulistano Hudinilson Urbano Junior, até então marginalizado por boa parte do meio artístico de São Paulo, deixou por escrito de próprio punho, uma carta cujo conteúdo segue abaixo:

São Paulo, 22 de janeiro de 2013

Dia da operação (finalmente) do fémur esquerdo candidato a “Ciborg”.

Um sonho, ansiedade eterna e característica.

Uma operação é como um “vôo de avião”. Mas como não estamos livres de uma triste ocorrência, fica registrado e autorizado de próprio punho, a doação de tudo, pele, ossos, rins, etc. O que der para aproveitar e auxiliar a outros.

O que estiver “detonado” (fígado e pulmão c/ certeza), doa-se para ciência, e, o que sobrar (se sobrar), como último desejo/ordem, deve ser cremado e as cinzas jogadas sobre o rio Tietê, sendo esta minha última contribuição p/ a recuperação deste símbolo paulistano e assim sendo, eu paulista/paulistano/urbano fazer uma homenagem ao aniversário da minha amada cidade (459).

Bem, as obras e todo meu acervo já está mais que acertado que será doado e “curado” pela “Fundação Vera Chaves Barcellos”, em Viamão, Rio Grande do Sul, Brasil.

Sendo assim, esperando e na certeza do respeito póstumo de parentes, colegas e amigos, me despeço com saudades.

Hudinilson Jr.

Obs.: Atitude inútil, pois nada com certeza irá acontecer, mas como não passamos de um “ameba”, pelo sim e pelo não!!!!!

Esta carta confirma o que inúmeras vezes o artista havia manifestado tanto para a presidente da Fundação, sua amiga pessoal desde finais dos anos 1970, VeraChaves Barcellos, como a muitos de seus amigos, em São Paulo, e também à mãe do artista, a Sra. Cida Urbano com quem o artista deixou o original da carta.

Hudinilson não morreu na cirurgia no mês de janeiro de 2013, mas faleceu em seu apartamento em São Paulo em 28 de agosto do mesmo ano.

A família, principalmente representada pela mãe do artista, manifestou que tinha conhecimento da vontade do filho e marcou logo após a morte um encontro comVera Chaves Barcellos, que através dos anos promoveu, divulgou e adquiriu a obra do mesmo, em diferentes ocasiões e que preside a Fundação referida na carta-testamento de Hudinilson Jr.

Nesse primeiro encontro em São Paulo, com os pais do artista ficou acertado entre eles e a FVCB, a elaboração de um documento, por parte desta, efetivando os termos da doação das obras para a entidade.

Mas, em poucas semanas entre a elaboração do documento e a entrega do mesmo para família para análise, dias antes de uma homenagem realizada em memória do artista no Centro Cultural São Paulo, muitas forças e interesses opostos já haviam se interposto para que a doação das obras à FVCB não acontecesse. As coisas tomaram outro rumo, que seria a formação de uma associação ou instituto para cuidar de sua obra, sediado em São Paulo. Após feita a listagem completa e catalogação das obras, um conselho da associação a ser formada, decidiria a futura destinação das obras a entidade culturais idôneas, tanto no Brasil como no exterior, inclusive uma parte futuramente viria para a FVCB.

Hudinilson foi durante décadas marginalizado por boa parte do meio artístico paulistano, por sua problemática personalidade, por ser alcoólatra desde muito jovem, e só os verdadeiros amigos podiam aceitá-lo, assim como apreciar sua inteligência, otimismo, e seu fino humor. Com sua morte, no entanto, livres do incômodo que seria conviver com sua difícil pessoa, surgiram imediatamente do meio artístico paulistano, pessoas e entidade culturais com forte interesse pela sua obra.

Esta, marcada por acentuado conteúdo crítico à sociedade contemporânea mesclada a um forte conteúdo homoerótico, foi concretizada, além de grafites, obra gráfica, pintura e objetos, em mais de cem álbuns de recortes, os quais o artista denominou Cadernos de Referência, agendas onde o artista faz uma espécie de diário pessoal e também de seu entorno social e cultural, através de colagens de imagens e textos extraídos da mídia.

De uma incomodidade, a obra de Hudinilson Jr. após sua morte passou a ser objeto de desejo de muitos.

Exceção feita à galerista Jaqueline Martins, que se interessou há cerca de um par de anos pela obra do artista e já começara a introduzi-la no mercado aos poucos, ou entidades como o Centro Cultural São Paulo, onde estão alguns entre seus melhores amigos, e onde sua obra sempre foi bem-vinda e divulgada. E também, fora de São Paulo, no Rio Grande do Sul, a Fundação Vera Chaves Barcellos que realizou uma mostra individual do artista em sua sede em Porto Alegre, em 2008. E anos antes, em 2000, Vera C.B. levara a obra do artista inserida em sua instalação Visitant Genet, exposta no Museu d’Art de Girona, Espanha, quando, certamente pela primeira vez, foi mostrada fora do Brasil.

Vale a pena citar que em 1979, o Espaço N.O. de Porto Alegre (1979-1982) realizou uma mostra do Grupo 3Nós3, e posteriormente uma individual de Hudinilson Jr. Sua relação com o meio artístico de Porto Alegre, e com Vera Chaves Barcellos datava de mais de 30 anos.

No dia 3 de fevereiro de 2014, alertados pela matéria publicada no Estadão em 17 de janeiro, que noticiava a prematura doação de cerca de 30 obras do artista ao MAC-USP pela família, mesmo antes de seu levantamento e catalogação, o grupo de amigos do artista, prováveis futuros membros de um conselho deliberativo dessa associação ou instituto em formação, apreensivos pela dispersão das obras de forma aleatória, se reunia com a mãe de Hudinilson Jr., representante da família, para a delicada tarefa de conciliar interesses culturais, afetivos e mercadológicos num consenso difícil de atingir.

Agora, passados já 6 meses, pela vertiginosa promoção sobre a obra de Hudinilson Jr. e sua incipiente mas efetiva dispersão no mercado nacional e internacional, antes mesmo de um total levantamento da sua produção e com a perspectiva mercadológica que se abre pelo interesse póstumo pela sua obra, surpreendendo a própria família do artista, vemos como altamente improvável a formação de uma associação ou instituto com um conselho que administre com critérios profissionais a conservação e o destino de sua obra.

Vera Chaves Barcellos é artista e presidente da FVCB .