Ana Maria Albani de Carvalho

 

A arte contemporânea possui um vínculo especial com o documento e com o arquivo, decorrente tanto de seus processos de produção e difusão, quanto dos trabalhos relativos à memória, à pesquisa e a geração de conhecimento. Considere-se, por exemplo, as proposições artísticas relacionadas às correntes conceituais, assim como as performances, os happenings, as intervenções em espaços diversos, os livros de artista e a vídeoarte, entre outras modalidades que geram registros e documentos da pré à pós-produção, desde a etapa de concepção e projeto até o momento de divulgação ao público.

O adensamento das redes entre pesquisadores em história, teoria, crítica e curadoria de arte, instituições museológicas, acadêmicas e a produção artística, também reforça a importância dos centros de documentação voltados para o segmento contemporâneo. O acesso às fontes primárias na forma de registros de exposições e outros eventos artísticos, obras efêmeras, depoimentos, publicações em formatos distintos dos convencionais incorporados pelas bibliotecas, torna-se um elemento fundamental para a geração de conhecimento no campo da arte. Neste cenário, o Centro de Documentação e Pesquisa da Fundação Vera Chaves Barcellos tem se preparado para desempenhar uma função relevante, reunindo mais de 15 mil documentos, entre convites e cartazes de exposições, catálogos, fotografias, periódicos, audiovisuais, registros de depoimentos e outros materiais referentes à sua área temática, isto é, arte contemporânea em âmbito local, nacional e  internacional.

Oficialmente inaugurado e aberto ao público em 2008 – localizado na zona central de Porto Alegre, próximo a outros equipamentos culturais –  o Centro de Documentação da FVCB funciona em uma sala equipada para o trabalho de preservação, organização e disponibilização dos documentos sob sua guarda, contando com a atuação de profissionais especializados em arte, arquivologia e biblioteconomia desde o início de sua organização, tarefa que remonta a 2005.

A formação do acervo do Centro de Documentação e Pesquisa da FVCB deriva de quatro matrizes ou núcleos: o arquivo artístico-documental da artista Vera Chaves, iniciado na década de 1960; materiais referentes ao grupo Nervo Óptico (1976 a1978); ao Espaço N.O. (1979 a 1982) e à galeria Obra Aberta (1999 a 2002). A origem de um centro de documentação, por sua vez, está associada ao Espaço N.O. e aos documentos e trabalhos – incluindo desde convites de exposições, registros de fundação, pesquisas e peças de Arte Postal – reunidos por este centro cultural de arte contemporânea, concebido e gerenciado por artistas, de caráter coletivo e multidisciplinar, atuante em Porto Alegre entre os anos 1979 e 1982[1].

Com o encerramento das atividades do centro cultural Espaço N.O., formou-se o Arquivo Espaço N.O., reunindo o farto material gerado através do intenso intercâmbio com artistas e instituições culturais da época de funcionamento do coletivo. Este arquivo, organizado de forma preliminar por temas decorrentes da própria materialidade do acervo, ficou sob a guarda de Vera Chaves. Ressaltamos que entre tais documentos, encontravam-se os materiais, impressos e registros de atividades de um grupo artístico anterior ao Espaço N.O., o Nervo Óptico, coletivo formado por Carlos Asp, Carlos Pasquetti, Clóvis Dariano, Mara Alvarez, Telmo Lanes e Vera Chaves Barcellos, atuante no cenário artístico entre 1976 e 1978.

Ocupando uma pequena sala na Galeria Chaves e objeto de uma organização elementar, o Arquivo seguiu em expansão, incorporando documentos artísticos reunidos por Vera Chaves, o que incluiria o material decorrente das atividades da Obra Aberta, galeria de arte contemporânea, dirigida por Carlos Pasquetti, Patricio Farías e Vera Chaves entre 1999 e 2002[2]. Desde as décadas de 80 e 90, este Arquivo vem servindo de suporte para pesquisas voltadas para sua área temática – arte contemporânea, vanguarda artística brasileira, arte postal, entre outros assuntos correlatos -, constituindo preciosa fonte para dissertações e teses acadêmicas em história e crítica de arte.

Seguindo o fio desta história, o projeto inicial de uma fundação artística que reunisse a coleção e as obras da artista Vera Chaves – efetivado oficialmente em 2005 -, incluía desde o primeiro esboço a proposta de um centro de documentação voltado à preservação, organização e acessibilidade deste precioso acervo documental. Com este propósito, o CDP prossegue incorporando os materiais produzidos pela intensa atividade da Fundação – exposições de acervo, seminários, depoimentos, vídeodocumentários – e atuando como fonte de pesquisa para os projetos curatoriais e editoriais desenvolvidos pela FVCB.

Desde 2009, o CDP realiza uma intensa operação de intercâmbio com outras instituições do gênero, em âmbito nacional e internacional, atividade que tem proporcionado um significativo aporte em seu acervo, através de publicações e materiais voltados à produção artística contemporânea em âmbito global. Tanto por seu caráter histórico – voltado à memória da produção desde os anos 1960 -, por sua abertura para o presente, quanto por seus projetos para o futuro, o Centro de Documentação da FVCB tem como objetivo constituir-se como um pólo de referência para pesquisadores, professores, estudantes de arte e público interessado em arte. Esta ambição, por fim, assenta-se em uma concepção de arte como agente legítimo nos processos de produção de conhecimento relevante no âmbito da cultura contemporânea, a partir de uma mirada crítica e atuante.


[1] Entre os artistas fundadores e integrantes do Espaço N.O. – cujo espaço de exposições e eventos localizava-se na Galeria Chaves, centro histórico de Porto Alegre – podemos citar: Ana Torrano, Carlos Wladimirsky, Cris Vigiano, Karin Lambrecht, Mário Röhnelt, Milton Kurtz, Regina Coeli Rodrigues, Ricardo Argemi, Rogério Nazari, Simone Michelin Basso, Telmo Lanes e Vera Chaves Barcellos.

[2] Assim como o Espaço N.O., centro cultural alternativo e coletivo de artistas, a galeria de arte Obra Aberta teve sua sede no andar superior do belo prédio da Galeria Chaves, ponto de referência no centro histórico de Porto Alegre. Este mesmo local sediou o Espaço Zero, até 2009, local de exposições durante a primeira fase de existência da Fundação Vera Chaves, posteriormente transferida para Viamão, na atual Sala dos Pomares, inaugurada em 2010.