Luis Francisco Peres
Barcelona 1987

Toda criação artística contribui igualmente para assinalar o grau de inflexão visual necessário para fixar seu encontro posterior de inter-relação perceptiva, sendo, o ato de olhar, a primeira manipulação ou devastação que se realiza da própria obra. Mas uma manipulação que se sabe devedora a dois preceitos de diferente inalterabilidade: sua unicidade original e única e o improdutivo de forçar a elocubrações hermenêuticas, o instante inaugural e íntimo que motivou a realização da obra pelo artista. Se bem que a segunda dessas leis se mantenha viva e inalterada em seus domínios, não sucede o mesmo com a primeira delas; há mais de cinqüenta anos, Walter Benjamin, com inteligência e lucidez invejáveis teorizou com rigor interessante, sobre a perda da aura da obra de arte, suscetível de ser reproduzida num processo de automatismo mecânico.

Com efeito, estes últimos trabalhos de Vera Chaves discorrem, não tanto por um desejo de alterar uma realidade estabelecida, mas em reconsiderar o processo em si mesmo como uma transgressão que possui vida autônoma e própria desde a gênese até o resultado final. Se bem que faz muitos anos que não se discute a valia da obra de arte utilizando como paradigma a estúpida hierarquia dos materiais empregados; seja por sua evolução natural, seja pela força do costume, ou, mera e simplesmente, por sorte, por uma disposição mais inteligente e generosa à particularidade e extravagância do absoluto da arte: tenho minhas dúvidas por outro lado, que a conseqüência dessa conquista haja eliminado por igual os limites impostos por um sentido aristocrático da visão, e esta poderia ser uma das muitas – e todas igualmente tão válidas como possíveis – vias que, em forma de expectativas funcionais se manifestam como principais vetores na obra de Vera Chaves. Estas obras exigem uma abordagem sem preconceitos, que esqueça um sentido falsamente ortodoxo da arte. As tomadas fotográficas de um determinado motivo (com freqüência referente à produção mais epigonal e impostora da arte) servem de base para sua ampliação e fotocópia para igualmente preparar seu encontro com a pintura. Quer dizer: com a cor e a luz. Paradoxal vingança desta contra a câmara escura. Sintaxe de um processo criativo que viria a sublinhar essa “transparente obscenidade” em que, segundo Baudrillard, vivem e se comportam as sociedades contemporâneas. Vera Chaves situa pontos de fuga a partir de uma constância não somente suscetível de ser modificada ou alterada, senão que é esta mesma realidade a que exige ser transgredida para assim, indefinidamente, recriar uma vez mais o mito de Sísifo: sempre seremos remetidos a sua origem.

Vera Chaves nos conduz a uma viagem de ida e volta. Uma viagem, talvez, as mesmas características, que tanto interessava André Breton: àquilo que se encontra entre a realidade relativa percebida pelos sentidos e a realidade absoluta desejada pelo espírito.