Mônica Zielinsky
Fevereiro, 1999

Transitando-se cuidadosamente neste espaço da arte de Vera Chaves, surpreendemo-nos situados diante de secretas marcas. Nebulosas marcas de um tempo fugidio, reproduzido inúmeras vezes por diferentes meios, trazendo à vida pública do poder e da arte os secretos momentos da sexualidade de uma rainha.
A instauração das imagens de imagens seqüenciais de cinco fotogramas estabelece um curioso contraponto com a realidade física dos objetos da rainha, estes não virtuais, encarcerados em urnas metálicas com cinzas. Nelas, alguns dos acessórios pertencentes a esta personagem compõem, em diversos fragmentos, possibilidades para a reconstituição de sua história de mulher. Entre suas cartas, luvas ornamentadas, colar de pérolas, vestido e pequena bolsa de cetim, lenço de renda e cinto trançado, o que restou de uma história de repressão.
Esta proposta artística traz à tona o detalhe: uma cadeia de cenas que remete ao mundo sigiloso desta rainha, rodeada por dispositivos que a ornam e lhe pertencem, como a caracterizam culturalmente como mulher. No entanto, a partir da particularidade deste trabalho descortina-se uma constelação de interrogações que se inserem no sistema planetário da comunicação contemporânea e das suas poderosas redes. Neste sistema, o que pode interessar desta história de uma rainha que busca seus momentos de amor? O que seria real neste fragmento de vida transformado em imagem de vida? Como pode a artista responder hoje a uma ordem e a projetos, estes perdidos no esmagamento das referências do homem dos nossos tempos?
Interessa-nos pois, examinar a produção artística em suas pretensões subliminares e especialmente a maneira como na arte de Vera Chaves as referências são abordadas, a maneira como elas enunciam, denunciam, antecipam. Para isso seguimos seus vestígios, o que eles indicam, isto porque eles agem como uma presença manifesta de sentido. Assim, as imagens da rainha remetem à reprodução da própria imagem através de diferentes meios, da fotografia da televisão, esta que por sua vez tem sua fonte no filme, e este, nascido enquanto representação de um recorte do real. E o emprego intencional destas múltiplas mediações técnicas pode levar-nos a questionar a identidade da arte em suas relações com a ilusão. A própria imagem fotográfica televisiva já é em si imprecisa. Imprecisão dos contornos não apenas deste meio, tampouco apenas da história da rainha, mas quem sabe também da própria essência da arte. Referências aos modelos entram em jogo através de uma forma narrativa, modelos de mulher, de rainha, da própria articulação artística. Nestas, irrompe a incessante e inquieta busca por uma recuperação da identidade, enunciando, denunciando e antecipando o lugar de uma rainha que é antes de tudo o de uma mulher, identidade que transita por entre as malhas da homogeneização e da opressão, nas quais também a arte parece perder cada dia mais sua especificidade de referir e de significar. Vera Chaves vai em busca destas questões em profundidade, para dizer com sua obra o quanto uma rainha constituída de imagens e de seus objetos pode em seu enigma deixar evidente o que lhe é próprio e da sua natureza, assim como o que é peculiar ao espaço da arte. Espaço este que é particularmente um nicho cognitivo vital situado com perspicácia no tecido das vastas e complexas redes da cultura contemporânea.

Mônica Zielinsky
Fevereiro, 1999