Ana AIbani de Carvalho e Neiva Bohns
Outubro – 2006
No cenário configurado pela produção artística dos anos 60 e 70, a fotografia ocupa um lugar de destaque, em razão das funções a ela atribuídas pela arte conceitual, pelas correntes que a antecederam e por outros movimentos característicos do período. No âmbito brasileiro, Clóvis Dariano integra uma geração de artistas que desempenhou um papel inaugural quanto ao emprego do dispositivo fotográfico no contexto estético propiciado por um conceitualismo nutrido por certos procedimentos praticados desde as primeiras décadas do século XX. A ironia dos títulos e das imagens é um componente marcante da dívida em relação ao surrealismo, ao dadaísmo e ao neo-dadaísmo, absorvidas e transformadas pelos artistas brasileiros em pleno período de exceção política (lembremos os duros anos de ditadura militar que formavam o cenário da época). Desde o início de sua trajetória, Clóvis Dariano opera com a fotografia como um lugar de investigação e experimentação, tanto do ponto de vista de quem produz a imagem, quanto daquele que a observa. Sua atuação – ao lado de Carlos Pasquetti, Teimo Lanes, Mara Alvares e Vera Chaves Barcellos – na criação do Nervo Óptico (1976/1978), pode ser vista como um momento-chave deste modo de conceber a arte. Assim, Re-visões é uma (a)mostra, bastante seletiva, do que o artista vem produzindo desde os anos 70 até os dias de hoje. A contemporaneidade de suas proposições pode ser vista como um desafio e como uma contribuição ao campo artístico, nestes dias em que o encanto pela tecnologia parece sobrepujar o vital exercício da criação. Em algumas obras expostas, a fotografia encontra meios de negar a sua própria condição mimética, seu estatuto de evidência e de prova irrefutável (vide Pele sobre Pele e Paisagem sobre Paisagem). O jogo proposto entre a realidade observável e passível de registro, e a manipulação arbitrária de elementos desta mesma realidade, também aparece nos retratos e auto-retratos em que o artista utiliza o recurso dos óculos-olhos: olhos que se apresentam declaradamente como imagem. Podem ser vistos, mas não podem ver.
Suas fotografias avançam por caminhos ainda mais perturbadores, como no caso da imagem do pedaço de corpo que ameaça sair de dentro de uma caixa, ou perder-se num buraco sem fundo. Na mente do observador instala-se uma profunda inquietação sobre a verdade daquilo que pode ser visto. Com toda sua potencialidade mórbida, é a finitude da vida que essa imagem evoca, funcionando como advertência para os prepotentes que negligenciam a fragilidade humana.