Vera Chaves Barcellos escreve sobre a exposição  Todas as Coisas, Surgidas do Opaco, de Ismael Monticelli, em cartaz no Santander Cultural até dia 23 de novembro.

Só hoje tive a oportunidade de visitar a atual exposição em cartaz no Santander Cultural, do jovem artista Ismael Monticelli.

Desde o princípio dos primeiros contatos que tivemos com Ismael, nos atraiu sua inteligência, lucidez e sensibilidade, fatores estes que aparecem agora em sua obra como comprova a presente mostra.

O texto da curadoria de Luisa Duarte destaca na obra do artista a delicadeza, ao mesmo tempo que a valorização das pequenas coisas e do cotidiano.

Eu diria que sim, é isto, mas também mais do que isto. Ismael demonstra conhecimento e mesmo uma filiação à recente história da arte (leia-se a partir  pós 1960), quando a arte se embebe mais de conceitos de que a sua configuração, com a primazía da ideia sobre a forma acabada. Estamos diante de uma espécie de reciclagem híbrida de obras conceituais dos anos 60/70.

À primeira vista, uma obra mínimal, a sequência de vidros quadrados inseridos em uma base, deixa-nos desvendar, num segundo olhar a superfície da base, coberta de pós, todos com a mesma cor e aparência (numa referência à Arte da Terra, desta vez transposta para uma pequena escala). A diferença entre a origem desses pós, está identificada numa placa metálica em cada uma das bases desses objetos, onde são assinaladas as mais diversas procedências. Se essas referências são ficção ou realidade, não importa, já que arte torna verdades mentiras e mentiras verdades. O que importa é que o artista nos chama a atenção para questões entre aparência e realidade, aliás que permeiam em toda a mostra, referindo-se a aqueles momentos em que olho é insuficiente, questões tão inteligentemente igualmente levantadas por um Cildo Meireles, como em Eureka/Blindhotland ( 1970–5) e outras de suas obras.
Seguindo em sequência, vê-se uma série de fotografias PB, como paisagens na névoa, o mais provavelmente, falsas paisagens , criadas a partir de pequenas coisas fotografadas (talvez de montes de pó ou farinhas soprados) e fortemente ampliadas.

Similares são as fotos recortadas em centenas de pedacinhos de quebra-cabeças que deveriam ser montados pelos espectadores, uma montagem quase impossível, devido à similitude das peças todas em tons de gris.

E há também a destacar os frascos de supostos remédios, com respectivos receituários, que se referem a diversos autores e artistas, desde Walter Benjamin a Carlos Asp, que nos remontam a um trabalho semelhante do artista Hélio Fervenza, feito há alguns anos.

Recomendamos a quem ainda não viu, a visita a essa exposição de Ismael Monticelli, que nos oferece um bom tema para reflexão sobre as verdades e mentiras da arte e as diferenças entre aparência e realidade e a insuficiência do olhar em nossas formas de percepção.

Vera Chaves Barcellos
6 de novembro de 2014.